quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Um Ataque a Mueda e a Micose do Francisco Ribeiro..., por José Monteiro

Ataque a Mueda
Mueda, além da população civil, era uma autêntica cidade militar.
Tinha todas as armas para alimentar a máquina de guerra.
Aqui cheguei em 12 de maio de 1967.
Estrategicamente situada no Planalto dos Macondes, era "visitada" e conhecida pelos restantes aquartelamentos que giravam à sua volta.
Aqui se juntavam aviação, engenharia, companhia de transportes, Pad, cavalaria,artilharia, companhia de cães de guerra e tropas especiais como comandos e paras.


O clima Africano era propicio a vários problemas de pele entre eles a micose que atacou vários de nós.O meu amigo, e vague-mestre da companhia , que também dormia na minha flat, Francisco Ribeiro, foi atacado por tal problema.
O enfermeiro e nosso amigo comum, Eurico Oliveira, receitou-lhe o habitual nestas circunstâncias, que era a tintura de iodo, com a recomendação para ter cuidado pois ardia um pouco.
O Ribeiro começou a tratar do assunto e nós, sempre solícitos e prontos a ajudar, arranjámos uma ventoinha, para o ajudar a refrescar, e directamente voltada para a parte do corpo a tratar.

Tudo estava a correr bem, o Ribeiro continuou com o tratamento, pincelando as virilhas e os testículos, pois era aí que a micose tinha atacado.

No dia seguinte, princípios de Agosto/67 Mueda foi atacada com morteiros pela Frelimo, vindos do final da pista da aviação.
Houve resposta imediata dada pelas Foxs de cavalaria indo o pessoal disponível para os abrigos. Quando o tiroteio parou, saímos das flats e o meu amigo Ribeiro pegou na G3 e como estava na cama e não teve tempo de se vestir, saiu de cuecas e de pernas abertas, pois tinha a pele dos testículos queimada por tanta pincelada dada.

Do ataque não resultou, felizmente, problemas físicos. 

Tinha sido mais para marcar presença do inimigo, pois como era uma posição estratégica, a Frelimo por norma atacava o quartel todos os anos.

Linda-a-Velha, Agosto de 2013
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex Furriel Miliciano )

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

UMA ESTÓRIA DE GUERRA..., por Joaquim Antero Ferreira

No rescaldo dos acontecimentos do dia 5 de Janeiro de 1969, no Aquartelamento da Cruz Alta, na Serra do Mapé, para além dos 7 Camaradas que pereceram, nesse fatídico dia, foram evacuados mais uma dezena de outros, comigo incluído, gravemente feridos, para a pista do campo de aviação de Macomia.

No local, a confusão era total. 
A juntar ao barulho ensurdecedor provocado pelos helicópteros, que chegavam com a sua carga humana de mortos e feridos (par...a de imediato regressarem à Serra para evacuar mais Camaradas), sobreponham-se os gritos dos feridos em conflito com as ordens e contra-ordens dos diversos intervenientes no socorro, sendo de destacar as do Comandante do Batalhão (que gostava de "estar em todas") desde que previamente estivesse garantida toda a segurança!

Depois de ter sido feita a triagem, os mortos por lá permaneceram, para serem, posteriormente, sepultados no Cemitério da Missão.

Os feridos, depois de nos serem prestados os primeiros socorros, lá fomos, gradualmente evacuados para o "Hospital" de Mueda, onde ficámos até ao dia seguinte, juntamente com outros Camaradas que lá se encontravam.

No dia seguinte, alguns de nós, acabámos por ser evacuados para o HM 125, em Nampula, dado a gravidade dos ferimentos. 

Decorridos 28 dias, regressei à Serra.

Ainda hoje, decorridos que são 48 anos, após este fatídico acontecimento, ainda tenho bem presente, lá no sítio onde se guardam as memórias, todos os sentimentos de dor, raiva, desespero e impotência que este acontecimento me provocou.
Comentários
Luis Pinto Coelho Octávio Galvão de Figueiredo...cruzei-me com ele em inúmeras situações...desde a crise de Macau (por minha curiosidade de eventos históricos; as autoridades chinesas - no tempo de Mao, exigiram a sua demissão de comandante da polícia e saída do território, na época da revolução cultural por volta de 1966) a Chaves em Novembro de 1967, Oasse em 29 de Outubro de 1968 em representação do Comandante do sector B e depois de 25 de Abril de 1974, como elemento do Conselho da Revolução, distribuidor de armas a Edmundo Pedro, relacionado com o Grupo dos 9 (no PREC), e nos Açores, como representante da República na Região Autónoma....
Conversei com ele, na praia da Caparica, uma vez nos anos 80..de forma informal, sobre Moçambique.

Luis Pinto Coelho Em Macau havia cerca de 50.000 estudantes chineses, a frequentarem escolas comunistas. 
Um potencial revolucionário impressionante. 
Os Guardas Vermelhos surgiram. 
O governo ficou debaixo de fogo. 
De crescendo em crescendo, a contestação aumentou e generalizou-se, provocando um sentimento de verdadeira revolta no seio da comunidade chinesa. 

Macau estava há alguns meses sem Governador. 
Lopes dos Santos, um homem ponderado e que conhecia bem o Oriente, tinha regressado à Metrópole, em Julho de 1966. 
Como Encarregado do Governo ficou Mota Cerveira. 
Um homem arrogante e militarista, que preferia a bravata à diplomacia. 
A arrogância ao diálogo. 
O Comandante da Polícia, o Tenente-Coronel Galvão de Figueiredo, pautava-se pelos mesmos valores. 

Não podia ter sido pior. 
Os dirigentes políticos e as forças de segurança de Macau actuaram com manifesta inabilidade e total ausência de sentido diplomático. 
Pior, usaram de arrogância colonialista. 
As tensões exacerbaram-se. 
As posições extremaram-se.

No dia 3 de Dezembro de 1966 as manifestações iniciaram-se pelo meio-dia. 
As escolas estavam mobilizadas. 
Estudantes e professores invadiram o Largo do Leal Senado e as ruas circundantes. 
Uma camioneta carregada de pedregulhos avança pela rua onde se situava o Comando da Polícia. 
Atrás, protegidos pelo camião, manifestantes entoavam canções revolucionárias e gritavam palavras de ordem, empunhando o Livro Vermelho. 
Aproximavam-se cada vez mais da esquadra. 
Lá estavam guardadas armas e munições. 
Parecia evidente a intenção de tomar a esquadra de assalto. 

Vaz Antunes, o 2.º Comandante, dá ordem de fogo. 
Não havia outra solução. 

O condutor da camioneta é a primeira vítima. 
O carro segue descontrolado, até embater, com violência, no fundo da rua. 
A confusão é enorme. 
Debaixo de uma enorme pressão, os polícias, acantonados na esquadra, mantêm, nervosamente, o fogo. 
A multidão dispersa-se. 
Seguem-se perseguições na zona da Praia Grande. 
O recolher obrigatório é decretado às 16 horas. 

No dia seguinte ainda havia disparos dispersos por toda a cidade. 
No final dos dois dias, um saldo final de 8 mortos e cerca de 200 feridos, todos chineses. 

Foi necessária a mobilização de soldados para controlar a situação. (in: http://macauantigo.blogspot.pt/2009/04/o-123-em-1966.html)
Um blogue sobre a história de Macau. 
A blog about Macau's history.
macauantigo.blogspot.com

Joaquim Santos Octávio Q. G. de Figueiredo, um homem que me deu sorte! 
Em 1967 no final do curso em Tavira, discursou a desejar felicidades e boa sorte a todos os instruendos. 
Em 1970 em Tomar, na recepção ao meu Batalhão, desejando a todos felicidades para a vida civil.

Americo Maceiras Caetano E eu a ouvir os rebentamentos em Macomia. Para chegarmos lá a cima para socorro duramos para nós um século...

Sofremos tanto como vós, pois estava lá uma secção de Sapadores.... Terrível dia!! 
O pelotão por culpa desse maldito Octávio Q. G. de Figueiredo voltámos a ter o mesmo pesadelo a 18 de Dezembro 1969 na Cantina Oliveira e pior ainda nos primeiros dias de Fevereiro quando do rebentamento de uma mina quando regressávamos de Tete a caminho de Ribaué.


Jose Monteiro Acontecimentos destes nunca se esquecem.

D'Abranches Leitão G. José Recordações trágicas. ... que só quem as viveu...e sofreu...pode escrever como o caro amigo Joaquim Antero Ferreira! Estive no mesmo "barco", Serra do Mapé ....mas com mais sorte! Abraço fraterno, caro amigo!

D'Abranches Leitão G. José Recordo a minha "estada"....no HM125...

A cadeira de rodas, tinha uma história engraçada, digna de ser relatada!
Era única e por conseguinte quando alguém precisava de ir tirar radiografias ou fazer outro exame e que necessitasse de ser transportado sentado, eu ficava na cama, no meu quarto, até que a dita cadeira me fosse devolvida!

Uma vez por semana íamos ver um filme ao cinema de Nampula!
Voluntários não faltavam para me acompanharem, segurando a cadeira, assegurando assim um bom lugar! 
O “coitadinho” devia ter pisado uma “mina” e merecia um bom lugar! 
Às vezes era difícil explicar porque era necessário a ajuda de 4 ou 5 “enfermos”!!!

Sempre que ouvia o Heli, sinal de que mais vítimas da “guerra” vinham para o hospital, lá estava o “apanhado do clima” na sua cadeira de rodas, junto à pista, para dar o apoio possível!

Viria a saber histórias de Mueda bem no coração de Cabo Delgado, outro inferno, onde havia uma hospital de campanha, que alguns companheiros que entretanto feridos me relataram como sendo muito rudimentar, sendo a sala de operações, digna de uma cena daqueles filmes em que as pessoas mais sensíveis não devem ver. 

Disseram-me que os mortos estavam espalhados pelo chão, nus, como também os vivos à espera de tratamento: as equipas de cirurgiões amputavam pernas, a torto e a direito, “cortando o mal pela raiz”.

Explicando melhor, contavam que muitas vezes só eram amputados pés, mas que mais tarde originavam “gangrenas”, já em Nampula ou mesmo no Hospital da Estrela em Lisboa, e lá teria o infeliz de se submeter a nova cirurgia e lá ficava sem a perna toda!

Um dia, entra pelo meu quarto dentro uma alta patente militar, indagando quem era o Furriel Milº Abranches Leitão! 
Com alguma timidez, lá levantei o braço, pensando que me iria anunciar “algum castigo” pelas tropelias e irreverências. 

Fui informado de que o Estado Maior do Exército tinha recebido um telegrama de Lisboa, para saber se o militar em questão ainda estava vivo! 
Vim a saber que a família “moveu montanhas” para sabe notícias minhas, pois desde a entrada no HM125, que tinha deixado de escrever. 
Uff!
A partir deste momento o Sargento enfermeiro, o tal do hematoma, começou a tratar-me com mais respeito! 
Porque seria.

D'Abranches Leitão G. José Acerca do hematoma do sarg enf°...recordo o que já escrevi. 

Um “sacana” de um Sarg. Enfermeiro, que normalmente acompanhava as ditas senhoras do MNF, considerou-me “apanhado do clima” e até perigoso, só porque um belo dia, num exercício rotineiro de alguns “peões” no corredor, com a minha, nossa (única) cadeira de rodas, o atropelei, pois não avisou que ia a passar!!! 

Julgo que o desgraçado ficou com um hematoma para toda a vida! 

Julgo também que as minhas barbas crescidas entretanto, o roíam de inveja, pois como militar de carreira tinha de andar bem “escamuteado”!

A dita fita métrica que vinha agarrada (brinde) a uma mini pasta de dentes, serviu para mais tarde medir a cama do Cunha, um Furriel Milº do Porto que estava a “lerpar”, mesmo na cama ao meu lado! 

Como o Alferes médico se tinha desenfiado, para o “Bagdad”, que era o Bar mais IN (selecto!) de Nampula, frequentado pelas altas patentes militares, deixou o pobre “vela” a tomar conta de nós. 
Este mesmo “vela” que tentava meter uma seringa nas veias do pobre Cunha, mas que apanhava tudo menos veias. 
Os braços do Cunha pareciam um crivo! 
Depois de obrigar o dito enfermeiro improvisado ir chamar o Alferes médico, começei a acalmar o Cunha, medindo-lhe a cama e perguntando-lhe:
- Queres o caixão em pau-rosa ou em pau-preto!!!??

Com esta “terapia” consegui que o pobre “moribundo” abrisse os olhos e me olhasse com um sorriso, o qual nunca cheguei a perceber!!!?? 

Mas pouco depois chegou o Alferes Médico e o Cunha continuou a jogar a lerpa connosco até ter alta. 
Tinha-se salvo!

Joaquim Antero Ferreira Ainda bem para o Cunha! 😀

D'Abranches Leitão G. José A camaradagem era uma constante! 
A brincadeira da medição da cama, foi bem aceite pelo Cunha. 
Aliás só estes momentos, nos animavam!!!

Joaquim Antero Ferreira Há quem lhe chame "Terapia de Choque"...e, pelos vistos, até resultou!...